Decisão judicial referente à educação infantil[1]
O artigo 208, inciso IV c/c artigo 211 parágrafo 2º, ambos da Constituição da República Federativa do Brasil[2] estabelecem que é dever do Estado garantir vaga em creche para crianças de 0 a 5(cinco) anos de idade, o que restou reforçado com a edição da Emenda Constitucional nº 14 de 1996, segundo a qual dispõe que “os municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil” que determinou a redação do artigo 211, parágrafo 2º.
Visando dar efetividade ao comando constitucional, verificamos a seguinte decisão judicial:
O Supremo Tribunal Federal Brasileiro no julgamento do ARE 639337 AgR / SP – AG.REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO entendeu ser legítima, portanto, constitucional, a intervenção do Poder Judiciário na hipótese de omissão estatal injustificável na implementação de políticas públicas em sede de educação infantil previstas na Constituição da República Federativa do Brasil, não havendo que se falar em violação ao Princípio da Separação dos Poderes e sim em proteção aos direitos sociais.
Trata-se de demanda judicial ajuizada pelo Ministério Público Estadual de São Paulo em face do município de São Paulo com o objetivo de obrigá-lo a matricular crianças em idade pré-escolar nas creches próximas as suas residências ou do local de trabalho dos seus responsáveis legais.
O Supremo Tribunal Federal manteve a r. sentença a quo que havia julgado procedente o pedido do Parquet sob o argumento de que a educação infantil representa prerrogativa constitucional indisponível de todas crianças, motivo pelo qual não se expõe em seu processo de concretização a avaliações meramente discricionárias da Administração Pública e os municípios não podem pura e simplesmente se afastarem do comando constitucional, juridicamente vinculante, que lhes foi outorgado pelo inciso IV do artigo 208 da Constituição da República Federativa do Brasil, o qual representa indubitavelmente limitação à discricionariedade político-administrativa dos entes municipais, não lhes sendo dada a possibilidade de emitir juízo de oportunidade e conveniência acerca da implementação de política pública relativa a direito básico de índole social.
Vale consignar que o relator do acórdão Ministro Celso de Mello não se furtou da premissa de que cabe, primariamente, aos Poderes Legislativo e Executivo a prerrogativa de formular e executar políticas públicas, mas, ressaltou que, no caso sub examine, é legítima a concretização judicial das políticas sociais, haja vista o descumprimento da norma constitucional pelos órgãos estatais competentes em virtude da sua omissão no exercício da atividade estatal que lhe é outorgada pela Carta Magna, comprometendo a eficácia e a integridade dos direitos sociais.
In casu, vislumbramos que o direito à educação básica é um direito subjetivo e não obstante essa política social tenha sido definida e formulada, considerando a tenra idade das crianças, tendo em vista o princípio da proporcionalidade, a política social só será eficaz se o Estado construir creches próximas à residência ou ao trabalho dos responsáveis legais.
Dessarte, é legítima a intervenção do Poder Judiciário determinando a implementação da política social visando efetivar o direito social à educação básica
Decisões judiciais referentes à matrícula em instituições de ensino superior e à cobrança de mensalidades escolares[3]
No que pertine à matrícula em Universidades na hipótese de estudantes inadimplentes, ou seja, que se encontram em situação de mora quanto ao pagamento das mensalidades, as decisões judiciais dos Tribunais são, majoritariamente, no sentido de não ser possível atrelar a renovação da matrícula na Universidade particular ao adimplemento da mensalidade atrasada[4].
Estas decisões visam garantir o acesso à educação daqueles que já ingressaram no ensino superior.
Outra questão que tem sido objeto de controvérsias judiciais e relacionada com o direito social à educação diz respeito à transferência de ofício do agente público e a sua matrícula em Universidade, bem como a matrícula de seus dependentes no ensino fundamental.
No que se refere à efetividade do direito social do agente público quer seja civil, quer seja militar transferido no interesse da Administração, de ver o seu direito à educação, efetivamente, exercido e garantido há duas correntes de opinião, a saber: i) a primeira delas sustenta que os servidores públicos e seus dependentes fazem jus à matrícula no seu local de destino em instituição de ensino congênere, vale dizer, se anteriormente, no local de origem, estavam matriculados em estabelecimento da rede pública de ensino fazem jus à matrícula também na rede pública, mas se estavam matriculados na rede particular fazem jus a uma vaga na rede congênere[5]; ii) a segunda linha de pensamento, numa visão mais ampliativa, dando uma interpretação mais abrangente do direito social à educação, assevera que os servidores públicos e seus dependentes têm direito à matrícula em estabelecimento superior no seu novo domicílio, em qualquer período do ano letivo, sem fazer qualquer ressalva quanto à necessidade de se tratar de uma instituição de ensino congênere[6].
Em se tratando de direito à educação superior, compartilhamos do entendimento[7] de que o direito social à educação não se restringe à educação fundamental, uma vez que a Constituição da República Federativa do Brasil consagrou no inciso XIII do seu artigo 5º como direito fundamental de liberdade, a liberdade de ação ou opção profissional.
Em sendo assim, conclui-se que esse direito fundamental de liberdade de escolha profissional não teria qualquer efetividade se não houvesse meios de alcançá-lo, o que se perfaz através do direito ao acesso ao ensino superior universitário, motivo pelo qual o direito à educação abrange o direito ao seu acesso e não à vaga.
[1] PIOVESAN, Flávia. Justiciabilidade dos direitos sociais e econômicos: desafios e perspectivas. In: CANOTILHO, J. J. Gomes; CORREIA, Marcus Orione Gonçalves; CORREIA, Érica Paula Barcha (org). Direitos Fundamentais Sociais. Editora Saraiva, 2010, p. 62.
[2] Artigo 208, inciso IV da Constituição da República Federativa do Brasil: “O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade”.
[3] PIOVESAN, Flávia. Justiciabilidade dos direitos sociais e econômicos: desafios e perspectivas. In: CANOTILHO, J. J. Gomes; CORREIA, Marcus Orione Gonçalves; CORREIA, Érica Paula Barcha (org). Direitos Fundamentais Sociais. Editora Saraiva, 2010, pp. 63- 64.
[4] Neste sentido são as decisões proferidas no REsp 6.11.394/RN, REsp 311.394, REsp 365.771, REsp 384.491, AgRgREsp 491.202. Disponível no site http://www.stf.jus.br Acesso em 16 de abril de 2024.
[5] Vale destacar as decisões judiciais proferidas no Resp 732.727/PE, AG Resp 626.989/RS, REsp 710.382/RJ, AgRg no REsp 621.555, REsp 667.639/RJ. Disponível no site http://www.stj.jus.br Acesso em 16 de abril de 2024.
[6] AEREsp 391.048/DF, AGA 426.484/DF, REsp 602.820/PE, REsp 643.746/RJ, REsp 433.777/PE, REsp 600.365/RJ, EREsp 388.942/DF. Disponível no site http://www.stj.jus.br Acesso em 16 de abril de 2024.
[7] CUNHA JUNIOR, Dirley da. Controle Judicial das Omissões do Poder Público: em busca de uma dogmática constitucional transformadora à luz do direito fundamental à efetivação da Constituição. São Paulo. Editora Saraiva. 2004, pp. 302-303. Neste sentido também foi o entendimento do Tribunal Constitucional Alemão no julgamento do BVerfGE 33, 303, de 18/07/1972, conhecida decisão sobre numerus clausus de vagas nas universidades alemães, ao aduzir que o direito fundamental de liberdade de escolha da profissão não teria qualquer sentido se não houvesse condições fáticas para o seu gozo.