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Direito à Saúde – Decisões judiciais referentes ao fornecimento de medicamentos e assistência médico-hospitalar

DIREITO À SAÚDE

Nos termos do artigo 196 da Constituição da República Federativa do Brasil “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. O termo “Estado”, presente no referido dispositivo constitucional, deve ser interpretado no seu sentido genérico (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), e a responsabilidade pela saúde é solidária entre os 03 (três) entes federativos referidos, possuindo, dessa forma, qualquer deles, legitimidade passiva ad causam para figurar no polo passivo da demanda.

 

Decisões judiciais referentes ao fornecimento de medicamentos e assistência médico-hospitalar 

O Tribunal Regional Federal da 2ª Região no julgamento do Agravo de Instrumento nº 193640/RJ[1] negou provimento ao recurso interposto pelo ESTADO DO RIO DE JANEIRO em face da decisão monocrática que deferiu, em parte, o pedido de antecipação dos efeitos da tutela, assegurando a transferência hospitalar da autora, no prazo de 24 horas, para uma das unidades hospitalares públicas que disponha de recursos para o suporte clínico da demandante ou, inexistindo vaga, para uma unidade congênere da rede privada de saúde, custeada, nesta hipótese, pelos réus (União Federal, Estado do Rio de Janeiro e Município do Rio de Janeiro). Trata-se de ação judicial de rito comum ordinário ajuizada pela Defensoria Pública da União do Rio de Janeiro em face da União Federal, Estado do Rio de Janeiro e Município do Rio de Janeiro objetivando que os entes federativos sejam condenados de forma solidária a proceder a transferência hospitalar da autora ante a gravidade do seu quadro de saúde.

Verificamos no acórdão proferido no julgamento do Agravo de Instrumento nº 193640/RJ, que a 6ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região fundamentou a sua decisão nos laudos e receituários médicos acostados aos autos que apontaram de forma uníssona para o estado grave de saúde da autora, acometida de metástase de câncer abdominal, necessitando de suporte clínico especializado e em tempo integral.

As razões de decidir asseveraram que a não concessão da tutela antecipada pleiteada acarretará danos irreversíveis à saúde da demandante e que “restará configurada a usurpação do seu direito constitucional à saúde, com a cumplicidade do Poder Judiciário”.

O v. acórdão, outrossim, aduziu a importância da entrega da prestação jurisdicional, ressaltando o papel do Poder Judiciário no exercício da cidadania pelo indivíduo, quer seja nas suas relações jurídicas com o poder público, bem como nas de direito privado.

O Superior Tribunal de Justiça Brasileiro no julgamento do Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 24197/PR[2] deu provimento ao recurso para conceder a segurança pleiteada na inicial que objetivava o fornecimento do medicamento contra o vírus da hepatite C, tendo sido a enfermidade  identificada em  laudos e exames médicos carreados aos autos, dentre eles, o exame “pesquisa qualitativa para vírus da Hepatite C (HCV)” realizado pelo Laboratório Central do Estado, vinculado à Secretaria Estadual de Saúde do Estado do Paraná, o qual obteve o resultado “positivo para detecção do RNA do Vírus do HCV”.

In casu, a recusa no fornecimento do medicamento baseou-se no fato do autor ser portador do vírus com genótipo 3a, ao passo que a Portaria nº 863/2002 do Ministério da Saúde, a qual institui Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas, exigir que o medicamento seja fornecido apenas para portadores de vírus hepatite C do genótipo 1. Ocorre que o autor acostou aos autos receita e relatório médicos prescrevendo a aludida medicação, motivo pelo qual entendeu o relator que a recusa no fornecimento do medicamento mostra-se desarrazoada. Acrescentou o relator Ministro Luís Fux, à época do julgamento Ministro do Superior Tribunal de Justiça Brasileiro que “o direito à saúde é dever do Estado, que deverá, por meio de políticas sociais e econômicas propiciar aos necessitados não qualquer tratamento, mas o tratamento mais adequado e eficaz, capaz de ofertar ao enfermo maior dignidade e menor sofrimento”.  Em sendo assim, verificamos que a incerteza acerca da eficácia do medicamento para o tratamento da hepatite C e o fato de não constar na Portaria do Ministério da Saúde Brasileiro, não tiveram o condão de elidir a pretensão autoral

Nestes dois casos, não merecem quaisquer reparos as decisões judiciais, eis que ambos se revestiam do caráter de urgência, não havendo outra prestação que fosse eficaz para a efetivação da política social da saúde.

Na primeira hipótese, o paciente estava internado em um hospital que não possuía tratamento adequado para garantir o seu direito à saúde e, por via de consequência a sua vida, pelo que a transferência hospitalar se impunha de forma premente, eis que naquele nosocômio ausente a política social eficaz.

Na segunda hipótese, o fornecimento do medicamento pleiteado pelo autor se mostra o mais eficaz para ele, segundo laudos médicos acostados aos autos, pelo que, mesmo que não conste da listagem do Sistema Único de Saúde Brasileiro-SUS e o Ministério da Saúde Brasileiro ainda não o considere o mais eficaz, os medicamentos em fase experimental devem ser fornecidos, pois cada organismo humano reage de uma forma e para o autor os demais medicamentos revelam-se impropriados ou ineficazes.

Numa outra perspectiva, verificamos decisões judiciais que adotam na sua fundamentação razões para negar a justiciabilidade do direito à saúde, senão vejamos:

O Supremo Tribunal Federal Brasileiro, pela sua presidente, à época, Ministra Ellen Gracie deferiu, em parte, pedido formulado pelo Estado de Alagoas na Suspensão de Tutela Antecipada (STA) 91[3], suspendendo decisão interlocutória proferida em sede de ação civil pública que havia determinado àquele ente federativo o fornecimento de medicamentos necessários para o tratamento de pacientes renais crônicos em hemodiálise e pacientes transplantados. O recorrente alegou que com a decisão que determinava o fornecimento de tais medicamentos ocorreria grave lesão à economia pública, eis que generalizou a obrigação do estado de Alagoas de fornecer “todo e qualquer medicamento necessário ao tratamento dos transplantados renais e pacientes crônicos, impondo-lhe a entrega de medicamentos cujo fornecimento não compete ao Estado de Alagoas dentro do sistema que regulamenta o serviço”. De acordo com a Lei nº 8080/90 e a Portaria nº 1318 do Ministério da Saúde, ao estado compete o fornecimento de medicamentos relacionados no Programa de Medicamentos Excepcionais e de alto custo. O estado de Alagoas afirmou a existência de grave lesão à ordem pública, porque o fornecimento de medicamentos, além daqueles relacionados na Portaria do Ministério da Saúde e sem o necessário cadastramento dos pacientes, inviabiliza a programação orçamentária do estado e o cumprimento do programa de fornecimento de medicamentos excepcionais. A ministra Ellen Gracie declarou estar configurada a lesão à ordem pública, já que a execução de decisões como a ora impugnada “afeta o já abalado sistema público de saúde”. A presidente do Supremo Tribunal de Justiça à época considerou que “a gestão da política nacional de saúde, que é feita de forma regionalizada, busca maior racionalização entre o custo e o benefício dos tratamentos que devem ser fornecidos gratuitamente, a fim de atingir o maior número possível de beneficiários”. Ellen Gracie aduziu que a norma do artigo 196 da Constituição da República Federativa do Brasil, ao assegurar o direito à saúde, “refere-se, em princípio, à efetivação de políticas públicas que alcancem a população como um todo, assegurando-lhe acesso universal e igualitário, e não em situações individualizadas”. A ministra concluiu pelo deferimento parcial do pedido diante da constatação de que o estado de Alagoas não está se recusando a fornecer tratamento aos cidadãos, pois determinar que o ente federativo forneça os medicamentos a todos os pacientes renais crônicos em hemodiálise e pacientes transplantados, estar-se-ia diminuindo a possibilidade de serem oferecidos serviços de saúde básicos ao restante da coletividade, motivo pelo qual deverá fornecer tão-somente os medicamentos previstos na Portaria 1318 do Ministério da Saúde.

O Superior Tribunal de Justiça Brasileiro no julgamento do Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 6.564/RS[4] negou provimento ao recurso para denegar a segurança que objetivava o fornecimento à autora, menor impúbere, do aparelho de respiração artificial, uma vez que desde o seu nascimento encontra-se hospitalizada, eis que portadora da “síndrome da hipoventilação alveolar central”, além de necessitar do aparelho marcapasso, que deverá ser importado, pois fabricado nos Estados Unidos. Ao decidir, o Superior Tribunal de Justiça Brasileiro entendeu que no sistema jurídico-constitucional pátrio, a nenhum órgão ou autoridade é permitido realizar despesas sem a devida previsão orçamentária, sob pena de incorrer em desvios de verbas e a dotação orçamentária para o fim da realização da despesa, seja qual for a sua natureza, condiciona os órgãos da Administração.

No que pertine à concretização judicial das políticas sociais relacionadas ao direito à saúde, verificamos que o Poder Judiciário Brasileiro assume uma nova postura, a qual não é adotada, em regra, em se tratando do direito à educação. Vale dizer, em se tratando de demandas judiciais envolvendo a tutela de saúde, o órgão jurisdicional brasileiro, em muitos casos, tem levado em consideração questões relativas aos custos dos direitos, da escassez de recursos e da reserva do possível.

Ocorre que estamos diante das prioridades que deverão ser adotadas pelos poderes públicos para que a República Federativa do Brasil seja, efetivamente, um país desenvolvido.

 

[1]   Disponível no site http://www.trf2.jus.br Acesso em 18 de abril de 2024.

[2]   Disponível no site http://www.stj.jus.br Acesso em 18 de abril de 2024.

[3]   Disponível no site http://www.stf.jus.br Acesso em 18 de abril de 2024.

[4]   Disponível em http://www.stf.jus.br Acesso em 18 de abril de 2024.

 

Image by Freepik

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Alessandra Carvalho

Defensora pública federal

Defensora Pública Federal no Rio de Janeiro, mãe da Bia, casada e doutoranda pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, que “vive equilibrando pratos”!