JUDICIALIZAÇÃO, ATIVISMO JUDICIAL E CONCRETIZAÇÃO DAS POLÍTICAS SOCIAIS PELO PODER JUDICIÁRIO[1]
Alessandra Fonseca de Carvalho[2]
Ultrapassados os embates polêmicos entre Hans Kelsen e Carl Schmitt[3], ocorridos durante o período do primeiro pós-guerra mundial acerca da legitimidade da jurisdição constitucional, sobre quem deveria ser o “defensor da Constituição”, verificamos que a grande questão que atualmente se impõe e, tem despertado o interesse dos doutrinadores, diz respeito à compatibilização da função jurisdicional criadora e construtiva com o exercício das atividades legislativas e administrativas, sem que tal proceder tenha o condão de violar princípios como a separação de poderes, a soberania, a repartição de competência e a democracia.
Visando desenvolver o presente artigo é fundamental fazermos uma diferenciação entre judicialização e ativismo judicial, pois muito embora possam, num primeiro momento, parecer os mesmos fenômenos, verificaremos que muito embora possuam pontos convergentes, distinguem-se, senão vejamos.[4]
Judicialização significa que questões polêmicas de cunho social e político estão sendo objeto de decisão pelo Poder Judiciário e não pelos Poderes Legislativo e Executivo. Em sendo assim, a judicialização acarreta transferência de poder para os órgãos jurisdicionais, o que, por via de consequência, traduz uma mudança substancial na argumentação, na linguagem e no modo de participação popular, já que os membros do Poder Judiciário são dotados de conhecimento jurídico e não são eleitos pela população.
O fenômeno da judicialização possui algumas causas que merecem ser referidas, consoante escólio do eminente constitucionalista Luís Roberto Barroso: i) a primeira delas advém da promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, denominada de Constituição cidadã, porque foi elaborada visando a deixar de lado aquela concepção outrora sufragada de Estatuto do Estado, fruto da redemocratização do país; ii) a segunda é o que os constitucionalistas denominam de constitucionalização abrangente, ou seja, o Poder Constituinte Originário trouxe para a Constituição matérias que anteriormente eram tratadas pela legislação ordinária; iii) e a terceira é o sistema brasileiro de controle de constitucionalidade que é classificado como híbrido, combinando aspectos de dois sistemas diversos: o americano e o europeu. Vale lembrar que o sistema americano de controle de constitucionalidade é incidental e difuso, segundo o qual qualquer juiz ou tribunal, na hipótese de considerar inconstitucional, pode deixar de aplicar uma lei, em um caso concreto que lhe tenha sido submetida. Além do controle de constitucionalidade incidental ou difuso, importamos do modelo europeu, o controle por ação direta, que permite que determinadas matérias sejam objeto de análise e discussão de forma direta e imediata ao Supremo Tribunal Federal.
Insta frisar que quando questões positivadas na ordem jurídica brasileira são levadas ao conhecimento do Supremo Tribunal Federal, o guardião da Constituição Federal, ao ser provocado não pode deixar de se manifestar, decidindo a pretensão autoral, tendo em vista o princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional e, neste diapasão, a judicialização decorre não da vontade da Suprema Corte, nem tampouco dos demais órgãos do Poder Judiciário e sim do modelo constitucional adotado pela Constituição da República Federativa do Brasil.
O ativismo judicial, por seu turno, apresenta outros contornos a serem explicitados. Trata-se de uma conduta proativa dos órgãos jurisdicionais ao interpretar a Constituição de forma a ampliar o seu alcance e sentido, tendo em vista situações de inércia, omissão ou de atuação deficiente dos Poderes Legislativo e Executivo. Diante de tal quadro, constatamos o Poder Judiciário participando de forma mais abrangente, intensa e ampla na concretização das normas constitucionais, culminando com uma maior interferência no campo que seria de competência dos demais Poderes da República.
Analisando o ativismo judicial, chegamos à conclusão de que esse fenômeno revela-se por meio de diferentes condutas emanadas pelo Poder Judiciário: a uma, pela aplicação direta da Constituição, considerando a eficácia imediata das normas constitucionais, a situações não expressamente previstas no seu texto, mesmo na hipótese de inexistência de qualquer manifestação do legislador ordinário; a duas, pela declaração de inconstitucionalidade de atos normativos advindos do Poder Legislativo, com base em critérios menos rígidos que os de violação expressa e frontal à Constituição; a três, pela determinação de condutas ou abstenções ao Poder Público, máxime quando tratarmos de políticas públicas sociais.
Os direitos sociais ao serem alçados ao patamar de normas constitucionais acarretam ao Poder Judiciário a obrigatoriedade de nortear a sua atividade jurisdicional a comportamentos que visem a sua implementação de forma efetiva na sociedade.
Não se deve olvidar que o peso atribuído ao Poder Judiciário no Estado Democrático de Direito possui contornos de maior relevância do que no Estado Liberal, o que pode ser constatado pelo fato de que o órgão jurisdicional passou a assumir um papel não de mero aplicador da lei, elevando a atividade jurisdicional como produtiva e evolutiva[5] e não como reprodutora da “letra fria” da lei, próprio de uma visão positivista.
Ocorre que nem sempre foi assim. Verificamos uma mudança na atuação do Poder Judiciário a partir da década de 1990. Isso porque com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 houve uma preocupação muito grande do legislador constituinte originário em garantir as liberdades democráticas, bem como as garantias da magistratura, sendo certo que se antes a função do magistrado se assemelhava com um mero burocrata, passou a partir daí, a desempenhar um papel político, ao lado dos Poderes Executivo e Legislativo. Importante ressaltar que não obstante o Poder Judiciário, no exercício da sua função jurisdicional, fundamente as suas decisões juridicamente, e é extreme de dúvidas que assim deve ser, em obediência ao princípio da motivação das decisões judiciais insculpido no inciso X do artigo 93 da Carta Magna Brasileira, é inegável que tais decisões possuem reflexo e repercussão de cunho político e público, tais como quando o Supremo Tribunal Federal decide pela constitucionalidade das cotas raciais nas universidades públicas[6]; pela constitucionalidade do Programa implementado pelo Poder Executivo Federal intitulado Universidade para todos-PROUNI[7]; julga improcedente o pedido de declaração de inconstitucionalidade da Lei nº 8.899/94, que concede passe livre no sistema de transporte coletivo interestadual às pessoas portadoras de deficiência, comprovadamente carentes[8].
Não obstante esse reflexo de cunho político das decisões judiciais, é inconteste que o Poder Judiciário possui características que lhe são inerentes, consubstanciadas no fato de que a escolha dos seus membros não advém de critérios eletivos, nem tampouco de processos majoritários e sim através de aprovação em concurso público de provas e títulos, com a aferição dos conhecimentos jurídicos daqueles que se submetem a tal certame. Nos Tribunais Superiores ocorre através de ascensão na carreira ou pelo quinto constitucional e, no que pertine ao Supremo Tribunal Federal, o acesso dar-se-á mediante nomeação do Presidente da República dentre aqueles com notável saber jurídico ex vi do artigo 101 da Constituição da República Federativa do Brasil.
Considerando que vivemos num Estado Democrático de Direito, o poder dos juízes e dos tribunais é representativo, ou seja, é exercido em nome do povo, motivo pelo qual devem prestar contas à sociedade como forma de legitimação social do exercício do seu munus público. Destarte, o Poder Judiciário passou a dialogar com a sociedade, seja através das audiências públicas, da transmissão televisiva direta dos julgamentos do Supremo Tribunal Federal através do canal de televisão brasileiro “TV Justiça”, quer seja através da criação do Conselho Nacional de Justiça-CNJ[9].,. . Além de nos depararmos diuturnamente com artigos de jornais de grande circulação nacional redigidos por membros ou ex-membros do Poder Judiciário. É inconteste que essa visibilidade pública contribui para a transparência, a publicidade, para o controle da sociedade da função jurisdicional e acima de tudo para a democracia[10].
O Poder Judiciário possui como a sua função típica o exercício da função jurisdicional que pode ser conceituada como “a atividade de formulação, no âmbito de um processo, da regra de direito destinada a reger os casos concretos levados à sua apreciação, impondo-se coativamente à vontade das partes” [11].
Verifica-se extreme de dúvidas que a atividade legiferante possui uma liberdade de criação do direito maior do que a concedida aos órgãos jurisdicionais, uma vez que cabe ao Poder Legislativo discutir, votar e editar as leis, mas até onde pode ir essa criação do direito também conferida ao Estado-juiz ao aplicar as leis? Um dos objetivos principais da presente investigação diz respeito justamente a analisar esses limites da atividade jurisdicional na concretização das políticas sociais, o que acontece, em muitos casos, como veremos ao longo do nosso estudo, através da criação do direito.
Ocorre que outrora entendia-se o exercício da função jurisdicional como algo meramente fundado em ato de execução da lei que fora promulgada e esta sim possuía um caráter inovador. No entanto, a partir dos ensinamentos de Hans Kelsen e da evolução da hermenêutica houve uma mudança de paradigma, no sentido de que a aplicação do direito também é considerada como criação do direito, não havendo que se falar em situações estanques e sim em concomitância, eis que a aplicação do direito se cuida, outrossim, de criação do direito[12] . .
A evolução da Hermenêutica trouxe à atividade jurisdicional uma nova roupagem, sendo responsável pela concretização das normas cujos primeiros balizamentos estão contidos nos textos legislativos. No entanto, não se esgotando neste momento, permitindo ao Estado-juiz ao prolatar as suas decisões o exercício de uma atividade criativa[13], visando adequar tais normas aos novos anseios da sociedade, bem como ao contexto histórico, político e social. Isso porque, ao lado da atividade típica exercida pelo Poder Judiciário, não deve ser negligenciado o escopo social que se encontra subjacente com o objetivo precípuo de atender aos ditames do Estado Democrático de Direito [14]. .
É curial destacar que ao ressaltarmos e ao defendermos essa função criadora das normas, não deixamos de nos preocupar com a observância ao Princípio da Separação de Poderes, eis que consoante ensinamento de Elival da Silva Ramos sempre haverá um núcleo essencial[15] da função, in casu, das funções legislativa e administrativa que não será possível ser exercida pelo Poder Judiciário, mesmo em se tratando de concretização de políticas sociais, pois ao admitirmos o contrário haveria ingerência indevida no âmbito de atuação do outro Poder.
Em sendo assim, o que pretendemos é balizar os parâmetros da atividade jurisdicional na concretização das políticas sociais sem que tal mister incorra em violação ao Princípio da Separação de Poderes, “averiguando se existiu a desnaturação substancial da atividade e não o afastamento de seu conduto formal”[16].
[1] No blog www.direitosfundamentaisemfoco.com.br apresento a versão completa do artigo científico jurídico, o qual foi publicado parcialmente no site Consultor Jurídico em 30 de abril de 2024, disponível em https://www.conjur.com.br/2024-abr-30/judicializacao-ativismo-judicial-e-a-concretizacao-das-politicas-sociais-pelo-judiciario/ cuja reprodução é permitida mediante a referência à fonte de informação.
[2] Defensora Pública Federal no Rio de Janeiro. Doutoranda em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade de Lisboa. Mestra em Ciências Jurídico-Políticas, Perfil Direitos Fundamentais pela Universidade de Lisboa. Autora do blog https://direitosfundamentaisemfoco.com.br/ E-mail: [email protected]
[3] Na concepção de Carl Schmitt cabe ao Presidente do Reich ser o guardião supremo da Constituição de Weimar, com arrimo na interpretação dada ao seu artigo 48, pois, segundo alega, o Presidente da nação alemã ao ser eleito diretamente pelo povo, assumiria uma posição de neutralidade quanto ao sistema político-partidário. Sustenta, outrossim, que o controle de constitucionalidade possui um viés político e não jurisdicional, dês que, acarreta uma avaliação discricionária das leis e que o Tribunal Constitucional acaba, desta forma, por criar o direito, gerando uma politização da justiça. Hans Kelsen, por seu turno, rechaçou os argumentos de Carl Schmitt aduzindo que suas assertivas tinham objetivos casuísticos, quais sejam, obstar a criação na República de Weimar de uma Corte Constitucional nos moldes da Constituição austríaca de 1920, visando, desta feita, concentrar o poder de fiscalizar a constitucionalidade das leis nas mãos do Chefe do Reich. Segundo os ensinamentos capitaneados por Kelsen, a Corte Constitucional seria o órgão que melhor protegeria a normatividade da Constituição, isso porque os Poderes Legislativo e Executivo possuiriam a tendência de interpretá-la com um viés de parcialidade e de acordo com os seus próprios interesses, motivo pelo qual tão-somente um órgão que estivesse isento da disputa política, cujos membros fossem independentes teria a possibilidade de exercer tal função, mantendo o equilíbrio entre os Poderes. BINEMBOJM, Gustavo. A Nova Jurisdição Constitucional Brasileira: legitimidade democrática e instrumentos de realização. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, pp. 66-73.
[4] BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade Democrática. Disponível na Internet: <http//www.oab.org.br/editora/revista/users/revista>. Acesso em 06 de maio de 2012.
[5] ALEIXO, Pedro Scherer de Mello. O direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva na ordem jurídica brasileira. A caminho de um “devido processo proporcional”. In: Monteiro, António Pinto, Neuer Jörg, Sarlet, Ingo (organizadores). Direitos Fundamentais e Direito Privado, Uma perspectiva de direito comparado. Editora Almedina. Setembro, 2007, p. 429. Aleixo, Pedro Scherer de Mello cita no seu artigo jurídico que os doutrinadores alemães Friedrich Müller e Ralph Christensen na obra Juristishe Methodik, vol I, 9 ª ed., 2004, p. 234, sustentam que, no atual estágio do Estado Democrático de Direito, no que concerne à atividade jurisdicional, não se deve mais trabalhar com a concepção de interpretação da norma jurídica e sim com a ideia de concretizar a norma jurídica através da sua construção.
[6] O Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, em sessão realizada em 25 de abril de 2012, julgou improcedente a Ação de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 186 ajuizada pelo Partido dos Democratas (DEM), considerando constitucional a política de cotas étnico-raciais para seleção de estudantes da Universidade de Brasília (UNB). O Presidente da Suprema Corte, à época, Ministro Ayres Brito asseverou que a Constituição legitimou todas as políticas públicas para promover os setores sociais histórica e culturalmente desfavorecidos. “São políticas afirmativas do direito de todos os seres humanos a um tratamento igualitário e respeitoso. Assim é que se constrói uma nação”, concluiu. Disponível na Internet: <http// www.stf.jus.br . Acesso em 10 de maio de 2012.
[7] A Constituição da República Federativa do Brasil prevê no seu artigo 6º que a educação é um direito social, e nos artigos 205 a 208, discorre sobre os seus princípios e as bases em que o aludido direito será implementado. Visando dar efetividade a estes princípios e bases é que surgiu o PROUNI – Programa Universidade para Todos, objetivando dar oportunidade aos alunos carentes e que tenham atingido nota suficiente no Exame Nacional do Ensino Médio-ENEM de ingressar no ensino superior e, consequentemente, possuírem melhor qualificação, o que os possibilitarão, no futuro, melhores oportunidades de trabalho e de fruição da vida.
[8]ADIn 2.649/DF, Rel. Ministra Carmem Lúcia. Em seu voto, a relatora, asseverou que o Brasil é signatário desde o ano de 2007 da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e que no caso sub examine deve-se aplicar os princípios da solidariedade, previsto no artigo 3º da Constituição da República, bem como da dignidade da pessoa humana visando a alcançar a redução das desigualdades sociais e que eventual desequilíbrio financeiro do contrato de transporte pode vir a ser compensado quando da negociação da tarifa do serviço público com o poder concedente.
[9] A Emenda Constitucional nº 45 criou o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), nos termos do artigo 103, B, § 4º da Constituição da República Federativa do Brasil com competência para o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes. O Conselho Nacional de Justiça, que integra o Poder Judiciário ex vi do artigo 92, I-A da Carta Magna Brasileira, é composto por quinze membros nomeados pelo Presidente da República, após ter sido a escolha aprovada pela maioria absoluta do Senado Federal (artigo 103-B e § 2º da Constituição da República Federativa do Brasil) e é presidido por um Ministro do Supremo Tribunal Federal. Na sua composição nove dos conselheiros são magistrados de diferentes níveis de jurisdição, indicados por Tribunais e seis são externos à magistratura: dois são membros do Ministério Público, dois são advogados e dois são cidadãos. Trata-se de um órgão de composição mista, justamente com a missão de promover o diálogo entre o Poder Judiciário e a sociedade, motivo pelo qual conclui-se que a sua criação foi a favor e não contra o Poder Judiciário, pois visa em última análise trazer legitimidade a esse órgão, cujos membros não são investidos por critérios eletivos.
[10] Consoante ensinamento do insigne professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Paulo Otero, a democracia ocidental, atualmente, pode ser considerada como a personificação da sociedade aberta, no sentido de, em se tratando, de organização social, ser a mais adequada a abarcar as reformas e a que se mostra mais suscetível a aceitar as autocríticas, revelando-se, assim, ao longo da história, o modelo de organização que melhor reflete a ideia do mais justo. OTERO, Paulo. Instituições Políticas e Constitucionais. Volume 1. Editora Almedina, 2007, pp. 599- 601 e 616-617.
[11] BARROSO, Luís Roberto. Conselho Nacional de Justiça: Constitucionalização da sua criação e balanço do seu primeiro biênio. In: Vieira, José Ribas (organizador); autores Adriano Pilatti… [et al]. 20 anos da Constituição Cidadã de 1988: efetivação ou impasse institucional? Rio de Janeiro: Editora Forense, 2008, p. 97.
[12] KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução de Dr. João Baptista Machado. 3ª edição. Armênio Amado- Editor, Sucessor- Coimbra. 1974.
[13] RAMOS, Elival da Silva. Ativismo Judicial: Parâmetros Dogmáticos. Editora Saraiva, 2010. pp. 116-120.
[14] O artigo 1º da Constituição da República Federativa do Brasil estabelece que a cidadania e a dignidade da pessoa humana são fundamentos do Estado Democrático de Direito. Essa cidadania não deve ser vista como algo abstrato e sim efetiva, o que se torna possível em se tratando de direitos sociais com a elaboração e execução de política sociais pelo Estado. No entanto, não devemos nos limitar ao Estado Providência. Acerca da correlação entre ativismo judicial, cidadania e o ativismo social vale conferir o artigo doutrinário sob o título Liberdade, Igualdade e Fraternidade (duzentos anos depois) ativismo social e cidadania no Estado Democrático de Direito elaborado por ALMEIDA, Christiana Noronha In: Godinho, Helena Telino Neves e Fiuza, Ricardo Arnaldo Malheiros(coordenadores). Direito Constitucional em Homenagem a Jorge Miranda. Belo Horizonte: Del Rey Editora, 2011, pp. 99-137. Impende salientar que no aludido artigo a autora trata do ativismo social como uma complementação ao ativismo judicial, eis que o Estado se apresenta não mais como o único responsável pelo atendimento de todas as demandas da sociedade. A autora sustenta que o exercício da cidadania no Estado Democrático de Direito pode ser compreendida como o resultado dos movimentos sociais que objetivam a inclusão econômica dos membros da sociedade sem que haja paternalismo por parte do Estado Social e com a corresponsabilidade dos cidadãos pelas suas ações, fornecendo-lhes oportunidade de aceder ao microcrédito e à empresa social. Acrescenta que o exercício da cidadania significa acima de tudo não ficar aguardando que o Estado, tendo em vista o seu dever de promoção, atribua efetividade às prestações públicas materializadoras dos direitos sociais, já que a condição de cidadão já existe desde sempre, tratando-se de pessoas livres e iguais, pelo que a cidadania pressupõe uma constante reconstrução daquilo que se entende por direitos sociais. Conclui-se, pois, que na visão da autora o exercício da cidadania é compromisso, outrossim, da sociedade por meio da solidariedade e não somente do Estado, o que, segundo assevera, constrói, verdadeiramente o Estado Democrático de Direito. Neste mesmo sentido é a lição de João Carlos Loureiro ao aduzir que numa sociedade complexa, os bens da vida somente são protegidos e promovidos com a colaboração de todos, pois o contrário traduziria numa doença de cidadania e que o dever fundamental de pagar impostos é primordial para o financiamento de um conjunto de bens públicos. LOUREIRO, João Carlos. Adeus ao Estado Social? A Segurança Social entre o Crocodilo da Economia e a Medusa da Ideologia dos “Direitos Adquiridos”. 1ª Edição. Coimbra Editora, novembro, 2010.
[15] Situação diversa ocorre quando o próprio texto constitucional atribuiu funções típicas e atípicas aos Poderes. Como exemplo de função atípica legislativa exercida pelo Poder Executivo podemos citar a possibilidade de edição de medidas provisórias com força de lei pelo Presidente da República Federativa do Brasil em casos de relevância e urgência, sendo necessário submetê-las, após a edição, ao Congresso Nacional, nos termos dos artigos 62 e 84, inciso XXVI da Constituição da República Federativa do Brasil. Por sua vez, o Poder Judiciário exerce função atípica legislativa quando elabora os seus regimentos internos, mediante a observância das normas de processo e das garantias das partes, dispondo sobre a competência e o funcionamento dos órgãos jurisdicionais e administrativos, ex vi do inciso I, alínea “a” do artigo 96. O Poder Legislativo, outrossim, exerce função atípica judicial quando, consoante o preconizado no inciso I do artigo 52 da Carta Magna de 1988, processa e julga o Presidente e Vice-Presidente da República nos crimes de responsabilidade, além dos Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza conexos com aqueles.
[16] RAMOS, Elival da Silva. Ativismo Judicial: Parâmetros Dogmáticos…, op. cit., p. 118.
REFERÊNCIAS
– ALEIXO, Pedro Scherer de Mello. O direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva na ordem jurídica brasileira. A caminho de um “devido processo proporcional”. In: Monteiro, António Pinto, Neuer Jörg, Sarlet, Ingo (organizadores). Direitos Fundamentais e Direito Privado, Uma perspectiva de direito comparado. Editora Almedina. Setembro, 2007.
– ALMEIDA, Christiana Noronha In: Godinho, Helena Telino Neves e Fiuza, Ricardo Arnaldo Malheiros(coordenadores). Direito Constitucional em Homenagem a Jorge Miranda. Belo Horizonte: Del Rey Editora, 2011.
-BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade Democrática. Disponível na Internet: <http//www.oab.org.br/editora/revista/users/revista>. Acesso em 06 de maio de 2012.
– BARROSO, Luís Roberto. Conselho Nacional de Justiça: Constitucionalização da sua criação e balanço do seu primeiro biênio. In: Vieira, José Ribas (organizador); autores Adriano Pilatti… [et al]. 20 anos da Constituição Cidadã de 1988: efetivação ou impasse institucional? Rio de Janeiro: Editora Forense, 2008.
-BINEMBOJM, Gustavo. A Nova Jurisdição Constitucional Brasileira: legitimidade democrática e instrumentos de realização. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.
– KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução de Dr. João Baptista Machado. 3ª edição. Armênio Amado- Editor, Sucessor- Coimbra. 1974.
— LOUREIRO, João Carlos. Adeus ao Estado Social? A Segurança Social entre o Crocodilo da Economia e a Medusa da Ideologia dos “Direitos Adquiridos”. 1ª Edição. Coimbra Editora, novembro, 2010.
– OTERO, Paulo. Instituições Políticas e Constitucionais. Volume 1. Editora Almedina, 2007.
– RAMOS, Elival da Silva. Ativismo Judicial: Parâmetros Dogmáticos. Editora Saraiva, 2010.
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