PAINEL 6: ÁGUA, ALIMENTAÇÃO E GÊNERO-PERSPECTIVAS DE GÊNERO NO ACESSO A RECURSOS NATURAIS E À ALIMENTAÇÃO
Na qualidade de Defensora Pública Federal e membra do Grupo de Trabalho da DPU Garantia à Segurança Alimentar e Nutricional foi convidada pelo Grupo de Trabalho Mulheres da DPU para participar do Painel 6 sobre segurança alimentar do Seminário Saúde e Bem-Estar da Mulher, realizado nos dias 31 de agosto e 01 de setembro de 2023, no Auditório da DPU em Brasília/DF.
A minha exposição foi dividida em alguns capítulos, sendo que na parte introdutória houve uma contextualização da segurança alimentar na Agenda 20230 da ONU; posteriormente tratei do conceito de segurança alimentar e de alimento para a FAO (Organização para Alimentação e Agricultura); em um outro capítulo cuidei das principais questões referentes ao direito fundamental social à alimentação; logo em seguida a segurança alimentar na perspectiva de gênero, seu alcance e dediquei um outro capítulo para tratar da crise da saúde à crise alimentar; as economias e o papel das mulheres; a pandemia de Covid-19 e a insegurança alimentar na perspectiva de gênero e, por fim, o que nos revela o 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil.
A atualidade e relevância do presente painel sobressai do documento Agenda 2030 elaborado pela Organização das Nações Unidas (ONU), a qual propôs 17 objetivos e 169 metas para todas as nações do mundo, visando um desenvolvimento sustentável, acabar com a pobreza e proteger o meio ambiente. A segurança alimentar está inserida neste contexto, uma vez que o acesso aos alimentos constitui um dos mecanismos para a erradicação da pobreza e o ODS2 da Agenda 2030 da ONU prevê como objetivo ACABAR COM A FOME, ALCANÇAR A SEGURANÇA ALIMENTAR, MELHORAR A NUTRIÇÃO E PROMOVER A AGRICULTURA SUSTENTÁVEL.
Como Destaques do ODS 2 temos: até 2030, acabar com a fome e garantir o acesso de todas as pessoas, em particular os pobres e pessoas em situações vulneráveis, incluindo crianças, a alimentos seguros, nutritivos e suficientes durante todo o ano; acabar com toda as formas de desnutrição e atender às necessidades nutricionais dos adolescentes, mulheres grávidas, lactantes e pessoas idosas; dobrar a produtividade agrícola e a renda dos pequenos produtores de alimentos, particularmente das mulheres, povos indígenas, agricultores familiares, pastores e pescadores.
Neste contexto, para verificarmos se os ODS 2, 3 E 5 estão sendo efetivados e respeitados, quer seja, pelos poderes públicos, quer seja pela sociedade, é necessário conceituarmos segurança alimentar.
Entende-se como segurança alimentar quando é garantido o acesso aos alimentos (food security) e, para além disso, é mister que tais alimentos sejam saudáveis e que não causem danos à saúde (food safety).
Na Conferência Mundial Alimentar de 1996 ficou acordado que food security pressupunha o “acesso físico e econômico a gêneros alimentícios suficientes, seguros, nutritivos para satisfazerem as necessidades nutricionais e preferências alimentares para uma vida ativa e saudável”.
A definição atual de food security retocada em 2001, abarca o acesso social, além do físico e econômico aos alimentos, abrangendo quatro elementos principais: i) disponibilidade; ii) acesso físico, social e econômico; iii) estabilidade dos abastecimentos e do acesso e iv) utilização de alimentos seguros e nutritivos.
Na última década, o sistema das Nações Unidas, através das suas agências, principalmente o Conselho Econômico e Social (ECOSOC) e a sua subsidiária, a Comissão dos Direitos Humanos das Nações Unidas objetivou dar forma a um direito à alimentação para uma “humanidade livre da fome”, na esteira das palavras da Constituição da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura.
O Comitê Permanente sobre Nutrição da OMS sugere que o inadequado acesso à alimentação e um estado nutricional defeituoso podem ter diversas razões que se intercalam, sendo que algumas afetam a totalidade da vida pessoal e conduzem ao disfuncionamento social.
Quanto ao conceito de alimento utilizaremos a definição da Organização para Alimentação e Agricultura (FAO) e da Comissão do Codex Alimentarius, que no ano de 1966 realizaram a Cúpula Mundial da Alimentação, na sede da FAO em Roma, nos seguintes termos: “Entende-se por alimento toda a substância processada, semi-processada ou natural, que se destina ao consumo humano, incluindo bebidas, pastilha elástica e quaisquer outras substâncias que se utilizem no fabrico, preparação ou tratamento dos alimentos, mas não inclui os cosméticos, o tabaco ou as substâncias utilizadas apenas como medicamentos”.
Em sendo assim, alimento, termo que deriva do latim alimentum, pode ser definido como aquilo que os seres vivos comem ou bebem, substâncias sólidas ou líquidas, visando a sua subsistência, sendo imperioso destacar a qualidade nutritiva do que é consumido, o que muito frequentemente não ocorre, já que os alimentos também atuam a nível psicológico para proporcionar prazer, não alcançando a sua função nutritiva. Desse modo, o direito à alimentação abarca não só o direito ao alimento sólido, bem como o direito à nutrição líquida e à água potável.
Após a análise dos capítulos que tratamos na palestra, podemos concluir que:
1) O direito à alimentação pressupõe uma alimentação adequada, tanto do ponto de vista de quantidade, bem como de qualidade, assegurando a segurança alimentar e nutricional e o direito à saúde, entendido aqui como o acesso à riqueza material, cultural, científica e espiritual produzida pela espécie humana.
A segurança alimentar e nutricional é a realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras da saúde que respeitem a diversidade cultural e sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis;
2) Em sendo assim, considerando o dever de promoção do Estado de efetivar os direitos sociais impõe-se responsabilidades ao Estado para a efetivação da alimentação adequada de todos os cidadãos.
Reconhecer a importância do direito fundamental social à alimentação e utilizar instrumentos para exigir a sua implementação são preceitos necessários para garantir que o poder público, efetivamente, crie políticas públicas que viabilizem esse direito;
3) Os direitos sociais somente terão efetividade social se o Estado disponibilizar as condições fáticas que permitam o seu exercício através de políticas públicas.
Nesta vertente os instrumentos para a garantia do direito à alimentação passam sobretudo por políticas de educação, programas de cooperação e de ajuda alimentar, combate à pobreza e à fome.
Fortalecer a participação das mulheres no desenho e operação das políticas públicas. As mulheres também devem ser acesso igualitário aos serviços e programas para a produção, para que não recaiam somente sobre elas tarefas de alimentação e cuidado que reproduzem desigualdades e a distribuição tradicional de papéis de gênero nos lares.
Segundo a FAO, os países devem promover a participação das mulheres nos sistemas agroalimentares e nos processos de elaboração e tomada de decisões de políticas públicas de alimentação e nutrição;
4) Para que haja efetividade do direito à alimentação no seu conceito de alimentação adequada e saudável é preciso que seja implementado o direito à educação alimentar.
A educação é um direito fundamental social, evidenciando a sua essencialidade em outros direitos fundamentais, como no direito à liberdade de pensamento. Nesta linha de raciocínio, vislumbra-se que o direito à educação alimentar possui estreita ligação e contribui na implementação dos direitos à informação, à saúde e à livre escolha.
Deve-se destacar a importância de aumentar a alfabetização e o acesso a tecnologias da informação e comunicação para garantir o direito à consulta e ao consentimento livre informado, com ênfase especial em mulheres indígenas e afrodescendentes.
5) Com efeito, maus hábitos alimentares resultam problemas de saúde pública, tais como enfermidades associadas à obesidade, além de hipertensão, doenças cardiovasculares e diabetes, pelo que a educação alimentar atua como uma atividade preventiva do Estado-administração na persecução do interesse público de despender menos recursos públicos com as políticas públicas curativas e paliativas das demandas do direito à saúde, com menos gastos financeiros na sua prevenção.
A anemia é um problema que persiste, afetando atualmente cerca de 40% das mulheres globalmente e cerca de 25% das mulheres na região da América Latina e Caribe.
6) Conclui-se, pois, que a construção de novas relações se torna um passo crucial para a transformação e o trabalho começa nas nossas próprias famílias.
A voz das mulheres é fundamental para atingir a fome zero e os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, adotando-se medidas que combatam as desigualdades em relação às oportunidades.
1. A integralidade da palestra, bem como de todo o Seminário pode ser conferida pelo Canal da DPU no Youtube.
2. GRILO, Diana. A alimentação adequada como “paliativo” para a saúde. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Lisbon Law Review.Volume LVIII. 2017/1p.48. Nos EUA o conceito de food security é mais restrito do que o utilizado no restante âmbito internacional. Inicialmente, era conceituado como “acesso seguro à alimentação adequada” e, após os atentados de 11 de setembro de 2001 foi modificado para passar a indicar “proteção do abastecimento de alimentos contra bioterroristas”.
3. AOUED, Ahmed. O direito à alimentação: o significado do Relator Especial das Nações Unidas. O direito internacional da pobreza: um discurso emergente. Coordenação de Lucy Williams. Tradução de Luís Filipe Sabino. Prefácio do engenheiro Alfredo Bruto da Costa. Cascais: Sururu, Produções Culturais, copy. 2010, p.160.
4. Em 1963, a Comissão do Codex Alimentarius (CAC) foi criada pela FAO e pela Organização Mundial de Saúde (OMS) com o objetivo de gerar normas, diretrizes e estudos sobre alimentos, como guias no campo do Programa Conjunto de Padrões Alimentares da FAO/OMS. O programa possui alguns objetivos principais, entre os quais podemos elencar a proteção do consumidor e a garantia do seu bem-estar alimentar, além de preocupar com o comércio alimentar entre países. Disponível em neste link. Acesso em 04 de março de 2022.
5. A FAO realizou a Cúpula Mundial da Alimentação, entre os dias 13 a 17 novembro de 1996, na sede da FAO, em Roma, tendo tido a participação de 112 chefes de Estado, ocasião na qual foi objeto de discussão na reunião uma da questão de maior enfrentamento e relevância pelas lideranças mundiais: o combate à fome. A Cúpula teve como objetivo consagrar a responsabilidade que os representantes mundiais possuem, na erradicação da fome e no combate à desnutrição, além de preservar a segurança alimentar da população (nas suas duas vertentes, food safety e food security).
O resultado da Cúpula Mundial da Alimentação foi a Declaração de Roma, tendo sido estipulada como meta a redução pela metade da quantidade de pessoas que são atingidas negativamente pela fome até o ano de 2015. Importante acrescentar que a Declaração de Roma institui sete compromissos que delineiam os parâmetros para garantir a segurança alimentar de cada indivíduo, ao passo que o Plano de Ação estabelece os propósitos e os meios imprescindíveis para realizar os sete compromissos. Disponível em neste link. Acesso em 04 de março de 2022.
6. TAVARES, André Ramos. Direito Fundamental à educação. In: SOUZA NETO, Claudio Pereira de; SARMENTO, Daniel (Org). Direitos sociais-fundamentos, judicialização e direitos sociais em espécie. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p.771.
7. Em sentido oposto ao recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que considera a tributação de bebidas açucaradas uma das medidas mais efetivas para reduzir o seu consumo, o sistema tributário brasileiro está fundamentado em incentivos fiscais excessivos sobre a indústria de bebidas ultraprocessadas, em especial, os refrigerantes.